quarta-feira, 8 de julho de 2009

A HIPPIE E A PATRICINHA


Há poucos dias, uma jovem se aproximou da banca de artesanato de uma hippie mais do que cinquentona, e ficou observando alguns brincos feitos com penas e arames.
A banquinha, que estava numa praça, era bem simples, com uma armação em madeira que se desmonta em uma única peça. Sobre ela, um pano escuro e muita bijuteria de vários formatos e cores.

A hippie usava vestido comprido, de algodão, tingido com corantes diversos. Calçava sandálias de couro já bem gastas. Nos braços, diversas pulseiras; no tornozelo esquerdo, uma corrente de linha. Carregava ainda uns três a quatro cordões de conchas e sementes. Na cabeça, um arco em madeira prendia os cabelos maltratados. Nos dedos, anéis de osso.

A moça, de uns 17 anos, relativamente alta e magra, usava short bege, sapatos de salto alto. Os cabelos eram também compridos, mas bem cuidados, lisos. Estava com óculos escuros, aros grandes. A blusa era estampada, sem manga, e alças com detalhes em rendas. No nariz, ostentava um pircieng pequeno, quase invisível.

As duas tinham tatuagens, várias, por sinal. A hippie tinha uma lua no braço esquerdo; no outro, a imagem de uma índia, e mais uma onde se lia fracamente “make love not war” (faça amor, não faça a guerra).

A jovem, por sua vez, também tinha uma lua no braço esquerdo. No ombro, um sol acima de nuvens e com pássaros, tudo bem colorido, bem acabado.

-Legal menina, esses traços aí. Muito legal também enfrentar os velhos preconceitos e marcar a liberdade na própria pele – disse a hippie para a garota, perguntando logo em seguida.

-Teus pais implicaram muito?

-"Implicaram com o quê”? – perguntou a minina.

-Com as tatuagens, poxa (Não foi bem essa palavra. Mas para a coluna tem de ser ela!) –

respondeu a vendedora de bijuterias.

-Não, de jeito nenhum. Meu pai achou bonito. E minha mãe deu a maior força. Até fez uma antes de mim, para eu ter mais coragem. Ela tem uma libélula linda no ombro. Por que não gostariam? Todas as minhas amigas também têm tatuagem.

-Tua mão faz o quê?

-É empresária... mas você também não tem um monte de tatuagem? – indagou a mocinha.

-Tenho, mas quando fiz a primeira meu pai me expulsou de casa. Me chamou de rebelde, disse um monte de coisa, falou que não ia sustentar vagabunda e me colocou na rua. Aí rodei mundo, me arrumei – respondeu a hippie.

-Mas você era rebelde?

-Claro, meu. Ficar suportando esses valores da burguesia, a prisão do lar, o discurso hipócrita da sociedade, a máquina do imperialismo americano...é pára isso que diz essas tatuagens, contra valor, entendeu? A força da contracultura – respondeu, em ritmo acelerado.

-Força de quê? – perguntou curiosa, a jovenzinha.

-Nada não, maninha, deixa para lá. Gostou dos brincos? São dois por cinco mangos.
A mocinha comprou alguns brincos e seguiu seu caminho.

A hippie ficou na praça, sozinha, sentada no seu banquinho. Passou um bom tempo pensativa, lembrando de sua juventude, dos protestos, do rock’n’roll. Finalmente, se levanta e caminhou até uma mulher bem arrumada que estava pela praça.

-Ei, você pode me dar uma indicação? – perguntou ela.

-Indicação de quê, minha senhora?

- Por acaso, você sabe onde eu posso encontrar um desses médicos que tiram tatuagem?



(Joel Soprani)

2 comentários:

  1. Linda história, valores de antigamente,feito para dizer algo, e hojé não passa de uma questão de moda e estica, como esses jovens que usam drogas porque acham que e radical e quanto precionados a parar vem com a porca disculpa de que e para se libertar do mundo de hoje como essa velha hipe com suas tatuagens, eceto por um pequeno detalhe, a forma dela se expressar não machucava ninquem, ja os jovem playboys de hoje usam drogas sem saber que bem na frente ele faz um mal, e dizem que o problema e do governo, sera que também não e uma forma de ser hipócrita?

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  2. História foda. Valores controversos parecem estar na moda hoje em dia. Ou valores nenhum, melhor dizendo. Séculos de historia rondam a cultura da tatuagem e há quem a faça sem nem ter um propósito, por estar apenas seguindo uma moda, os amigos ou o caralho que seja. Agora além de fama de marginal, os tatuados vão ser tachados de cabeças vazias e incosequentes. A representatividade das tattoos foram pro espaço mesmo...

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